sábado, 27 de janeiro de 2007

Um pouco de História *

Da Académica ao Académico


Quando o antigo regime cai, e pese embora uma efémera passagem pelo escalão secundário, a Briosa não terá a pujança futebolística da década de 60, mas está solidamente implantada na primeira divisão. A nova polémica que se instala na Universidade contribui, porém, para que a direcção presidida por Cortêz Vaz coloque o seu lugar à disposição, em AG de sócios da secção de futebol, realizada logo em Maio de 74.
É, então, eleita uma comissão de gestão, constituida apenas por estudantes universitários, entre os quais se encontram António Portugal, Pedro Mendes de Abreu, Fausto Correia, Campos Coroa e António Folgado. Objectivos desta comissão: garantir a continuidade da secção de futebol, em diálogo com a Direcção-Geral e as restantes secções desportivas da Associação Académica.
Esse diálogo viria, contudo, a revelar-se difícil. É que, na cidade, já constava que a extinção, pura e simples, da secção de futebol ia ser proximamente discutida em Assembleia Magna da Académica.
A comissão de gestão decide, então, alargar os seus contactos a personalidades como o Comandante da Região Militar do Centro, que era, simultaneamente, representante da Junta de Salvação Nacional. E da boca do coronel Rafael Durão ouve a sugestão de que, na iminência da extinção, os sócios tomem nas suas mãos os destinos do clube. Nova AG, presidida por António Arnaut. E é este mesmo quem traduz em palavras o que se fora tornando sentimento generalizado, ao propor : " Então, transforme-se a secção de futebol da AAC em Clube Académico de Coimbra".
Entretanto, o rumor transforma-se em realidade e uma Assembleia Magna eralizada nos jardins interiores da AAC extinhgue, em escassos minutos, a secção de futebol. António Portugal é das poucas vozes que se levanta contra a decisão, mas o seu discurso é impedido de continuar até ao fim.
Mário Campos, jogador e estudante de Medicina, impossibilitado, por lesão, de acompanhar o resto da equipa numa deslocação a Orense, é outro dos que vota contra a deliberação. E, ainda hoje, recorda essa Assembleia Magna como tendo decorrido num "ambiente terrível, sem controlo de entradas e com ameaças físicas aos que discordavam da maioria".
O seu irmão Vítor participara, poucos dias antes, numa reunião com o Conselho Desportivo, órgão que reúne o conjunto das secções desportivas da Associação Académica. E, na companhia de Mendes Silva e de António Portugal, vira as restantes secções, pese embora o "embaraço" manifestado pelo rugby, apoiarem a exclusão do futebol.

Uma dura batalha jurídica

Começava, então, uma dura batalha jurídica, destinada a garantir a transferência para o Clube Académico de Coimbra dos direitos desportivos que eram pertença da Académica. É que muita gente viu na mudança de nome um excelente pretexto para, empurrando o Académico para a terceira divisão distrital - o escalão por onde têm, obrigatoriamente, de começar as equipas que pretendem iniciar-se no futebol federado -, ocuparem o lugar que a Briosa, por direito próprio, ocupava na 1ª divisão.
Quatro juristas, oriundos de credos políticos que vão desde a direita à chamada esquerda revolucionária, lideram essa batalha desde a 1ª hora: Aurélio Lopes, Diamantino Lopes, Fonseca Viegas e Pinto Bastos. A seu lado terão, em permanência, uam comissão eleita em plenário de jogadores, de que fazem parte Mário e Vitor Campos, Belo, Manuel António e Gervásio.
Mais uma originalidade da casa: na mesma reunião em que esta comissão é eleita, a quase totalidade dos atletas assume o compromisso de se manter na equipa, quer ela continue na 1ª divisão, quer seja obrigada a disputar o Campeonato Distrital. "Só na Académica é que isto era possível", diz, duas décadas depois, Vitor Campos, "esquecendo-se" de que o clube se chamava então, Académico e demonstrando como os academistas tiveram, sempre, dificuldade em "engolir" o nome que, durante anos, foram obrigados a adoptar...
Foi aquela "brigada" que, à frente de uma representação de cinco centenas de futebolistas dos diversos escalões do Académico, a que haveria de juntar-se Mário Wilson, então a treinar em Lisboa, rumou em direcção ao Palácio de Belém, num belo dia do Verão de 74. Debalde: não havia marcação prévia de audiência e o Presidente da República, ocupado com a visita a Portugal do secretário geral da ONU, não pôde receber a delegação.
Esta conseguiu, ainda assim, ser recebida pelo chefe da Casa Civil da Presidência, o que viabilizou um encontro imediato com o Secretário de Estado dos Desportos, Avelãs Nunes, que, apesar de ser "gente de Coimbra", terá revelado "pouca sensibilidade" para o problema com que se via confrontado. A reunião decorreu num clima de frieza e acabou, mesmo, com grande violência verbal.
Mas jogadores e juristas perderam pouco tempo: mal chegaram à cidade do Mondego, programaram novo contacto com o coronel Rafael Durão, que de chefe da região Militar do Centro transitara, entretanto, para o comando da base aérea de Tancos. O resultado da diligência não podia ter sido mais frutuoso, já que o coronel se pôs de imediato ao telefone com Spínola, assegurando que os responsáveis do Académico seriam recebidos pelo Presidente naquele mesmo dia.
Já em Belém, juristas e representantes eleitos dos atletas escutaram nova conversa telefónica : "Estão aqui os homens do Académico e , por aquilo que me estão a dizer, têm toda a razão. Não os quer receber?" A pergunta era de Spínola para Vasco Gonçalves...
O Primeiro Ministro não só recebeu a delegação como, conta Mário Campos, a tratou com a "maior simpatia". O jogador chegou a mostrar-se impressionado: "Tratou-nos a todos pelo nome e a mim, que tinha sido operado ao menisco, até me perguntou se estava melhor do joelho".
Era um bom prenúncio, E, de facto, ao fim de hora e meia de reunião, Vasco Gonçalves prometia " a melhor atenção à evolução do processo" que entretanto, dera entrada na FPF, por iniciativa da AFC, presidida por Guilherme de Oliveira.
A comissão jurídica conseguia, entretanto, um reforço de peso - Mota Pinto, cujos pareceres, considerando o Académico como "o sucessor legítimo" da Secção de Futebol da AAC, viriam a revelar-se decisivos para a vitória nesta dura batalha jurídica. Mas, apesar do empenhamento daqueles consagrados juristas e figuras garndes da Briosa, naõ foi fácil convencer a Federação de que a ex-secção de futebol da Académica, na prática administrativa e financeiramente autónoma desde há anos e o Académico eram o mesmo corpo, já que eram iguais os seus associados, dirigentes e atletas.

É que o Conselho de Jurisdição da FPF decidira, em primeira instância, negar provimento Às razões do Académico. Pior do que isso: todos os seus quatro membros, entre eles Marcelo Rebelo de Sousa, foram da mesma opinião.
Em Coimbra, a decisão é recebida com grandes manifestações de rua, cortes de estradas e um comício no Estádio Municipal de Coimbra, onde intervenções como a de Norberto Canha, levam a multidão a clamar por justiça. Pelo seu lado, as comissões eleitas nas assembleias de sócios e de jogadores desdobram-se em contactos com juristas da Federação, contactos esses que, pela sua urgência, chegam a envolver deslocações em avionetas. certo é que, na segunda instância federativa, as pretensões do Académico são satisfeitas, curiosamente pelos mesmos 4-0 - só que de sentido inverso...- verificados na primeira apreciação. E nessa mesma noite, em Coimbra, o protesto é substituido por enormes manifestações de júbilo (...)

*In Livro da Académica

Nota: Para os mais novos acho importante conhecerem a história de que é feita esta gente de grande carácter. Que sirva de motivação para o(s) próximo(s) jogo(s). Para os que viveram as situações, que voltem a apoiar a AAC. Todos somos poucos! Viva a Académica!!!