sábado, 30 de dezembro de 2006

Os dias mais negros da Briosa *

Em Coimbra começam a ecoar vozes discordantes da manutenção de José Eduardo Simões como presidente da Académica, na sequência dos oito crimes de corrupção passiva de que está acusado pelo Ministério Público. Um caso que, dizem, está a manchar o bom-nome da Briosa, colocada numa situação como nunca se viu. São dias negros os que a Académica tem vivido, os mais escuros da história da secular instituição. A cidade, essa, ainda está dividida perante os últimos desenvolvimentos do caso. Entre o silêncio dos que sentem desconforto em abordar a matéria, e a indignação dos que não se calam por verem a instituição arrastada para o lamaçal em que navega o futebol português.

Muitas personalidades ligadas à Académica continuam a assistir impávidas e serenas ao turbilhão de acontecimentos que desde há algumas semanas atormenta todos quantos aprenderam a olhar para a Briosa como um clube diferente, vendo nela muito mais que uma agremiação desportiva, antes o símbolo de todo um conjunto de valores universais, insubstituíveis e inatacáveis.

Os mesmos valores que vêem agora colocados em causa depois de o Ministério Público ter formalizado a acusação ao presidente José Eduardo Simões, imputando-lhe a prática de oito crimes de corrupção passiva, com alegados benefícios para o clube e também para o próprio Simões.

O choque inicial que abalou Coimbra ao vê-lo ser constituído arguido redundou num silêncio quase global, que está agora a ser quebrado nalguns círculos que rodeiam o clube. Mas ainda há quem não queira pronunciar-se publicamente sobre tão melindrosa questão. Personalidades importantes na história da Académica, como Álvaro Amaro ou Fausto Correia não deixam de confessar tristeza por tudo o que de recente tem acontecido à sua Briosa, mas por ora remetem-se ao silêncio.

Académica como fonte de desprestígio

Vozes há, porém, que começam a fazer-se ouvir em Coimbra, tentando despertar todos os que gostam da Académica para a gravidade da situação em que o clube foi envolvido. O jurista António Marinho é uma delas. Ontem ouvido pela Agência Lusa, o causídico considerou que a Académica «perdeu toda a sua mística e transformou-se numa grosseira mistificação», ao ponto de ser agora uma «fonte de desprestígio» para a cidade e academia.

António Marinho foi ainda mais longe ao considerar que «perante estes últimos acontecimentos, com o presidente da Académica a ser acusado de cerca de uma dezena de crimes de corrupção, a Académica é um peso enorme para a cidade de Coimbra».

Os valores que outrora caracterizavam a Académica, defendeu o jurista, «aquilo que a individualizava no contexto desportivo, desapareceu completamente». Para António Marinho, «este processo é a evidência última da igualdade da Académica em relação a tudo o que há de mau no futebol português». «A promiscuidade entre o futebol e o poder autárquico e político está aqui demonstrada», disse. A finalizar, críticas ao «silêncio ensurdecedor» sobre a matéria: «O facto de a massa associativa assistir, impávida e serena, ao processo constitui um sintoma do grau de degradação a que chegou a Académica.»

É inacreditável
MÁRIO CAMPOS(antiga glória da Académica)
Acho que deviam convocar uma assembleia geral urgentemente para ouvir os sócios sobre uma possível demissão do presidente, que devia pôr o lugar

à disposição. Isto é inacreditável na história do clube. Custa muito aos que gostam da Académica ver isto acontecer. Nunca se viu uma coisa assim, isto

é muito gravoso e tanto o engenheiro José Eduardo Simões como o presidente da Mesa da Assembleia Geral, Almeida Santos, deveriam repensar toda a situação e reflectir sobre os malefícios de tudo


realidade CONFRANGEDORA
JOÃO SILVA(professor universitário)
O presidente da Académica tem de estar acima de qualquer suspeita. A atitude mais correcta em termos de valores da Académica seria a demissão. A Académica não é um simples clube de futebol. É uma referência em termos de postura,de ética, da própria luta contra o antigo regime e de procura de valores democráticos. É uma situação muito desagradável para o bom-nome da Académica, da câmara e da cidade. A decisão dos órgãos da Académica em apoiar o presidente é uma realidade confrangedora




ALGO SE PASSA...
LUCÍLIO CARVALHEIRO(membro do Cons. Académico)
A Académica não pode estar envolvida em situações menos claras, que prejudiquem o

bom-nome da instituição. Até há pouco tempo julgava que a situação se resumia a um problema particular do cidadão José Eduardo Simões e da Câmara de Coimbra, mas agora veio

à estampa que existe corrupção passiva. Devemos ter presente

que os magistrados do Ministério Público são tão competentes como os judiciais. Se eles formularam a acusação é porque alguma coisa se passa...



* Peça escrita por Pedro Soares, hoje, dia 30 de Dezembro de 2006, no jornal "A BOLA".