sexta-feira, 24 de novembro de 2006

Tributo ao Professor Bentes

Foi há tantos anos! Mas recordo-me como se tivesse sido ontem. Menino e moço, na companhia de alguns colegas do então D.João III, lá fui ao Santa Cruz às captações para os juvenis da Académica. À experiência, como se dizia na época.Findo o treino e mostradas as habilidades a chamada à parte (e o coração a disparar). -Como te chamas?
Um pequeno compasso de espera, um olhar doce, o indicador apontado e a frase mágica pela qual todos ansiávamos:
-Duas fotografias e o Bilhete de Identidade.
Depoia a alegria imensa.O sonho ali à beira.
Era o Bentes.O Professor Bentes. O jogador genial de que apenas ouvíramos falar.O "rato atómico", senhor de um pé esquerdo fabuloso e de uma velocidade ímpar que fazia as delícias da malta adepta.
António de Deus Costa Matos Bentes de Oliveira estreou-se em 1945 e envergou a camisola da Associação Académica durante 15 épocas tendo efectuado 333 jogos oficias nos quais obteve 175 golos. Foi internacional A por 3 vezes o que,naquele tempo, era um feito extraordinário. Depois de uma carreira brilhante pendurou as chuteiras,em 1960.Depois enveredou pela carreira de treinador dos escalões jovens da Briosa, ao mesmo tempo que se dedicava ao seu outro mister: Professor Primário, assim se chamava.
Tive o imenso privilégio de o conhecer, de com ele conviver, de aprender e desenvolver, a pretexto da Académica, alguns dos valores que, orgulhosamente, me acompanham: amizade, solidariedade, companheirismo.
Afável, de trato exemplar, brilhante contador de estórias, extraordinário jogador de damas ( ficaram célebres e eram concorridissimas as partidas disputadas com o Mestre Fernando Vaz no edificio da Padre António Vieira ), o Professor Bentes tinha uma incomensurável paixão pela Associação Académica de Coimbra. E foi com este Homem profundamente bom que ganhei o prazer de acompanhar os escalões mais jovens,de ver os miúdos crescer , "vício" que, aliás, mantenho.
Acontece que, tratando-se de jogos da Académica, o meu primeiro olhar dirige-se invariavelmente para o banco dos suplentes, quiçá na esperança de o ver lá sentado, agarrado ao cigarro, a sublinhar com um sonoro " Bem " as jogadas mais vistosas.
Os tempos ,hoje,são radicalmente diferentes. Os nossos técnicos dos escalões de formação são, por certo, competentíssimos e daqui lhes desejo o maior sucesso, quer pessoal quer desportivo. Mas peço-lhes, encarecidamente, que persigam aquela dimensão humana que o Professor carregava consigo. Sempre.
Sobre o virtuosismo futebolistico do Professor Bentes a palavra vai direitinha, com a devida vénia, para o Poeta Manuel Alegre ( in Obra Poética - Coimbra Nunca Vista - Publicações D.Quixote ):
Balada do Bentes
Nem tudo era só bota de elástico
havia alguém capaz de alguns repentes
a fuga para a frente e o fantástico
a festa e a alegria.Havia o Bentes.
Ele fintava ele driblava ele ganhava
os jogos que ninguém nos consentia.
Era a Académica e a aventura era a palavra
que de súbito golo se fazia
quando corria pela esquerda e nos levava
nas jogadas da sua fantasia.
No tempo devagar ele era a pressa
trazia o imprevisto e o inesperado
um golo de pé esquerdo ou de cabeça
que virava o domingo e o resultado.
Ele avançava sem pedir licença
contra a rotina o tédio a vida anémica
era a ousadia e a diferença
ele era outra maneira-era a Académica.
Fosse o Porto o Sporting o Benfica
ele era o que rompia
de seus dribles nasciam as serpentes
como o poema o seu jogo não se explica
ele era a fantasia
ele era o Bentes.
O Bentes, o nosso querido Professor Bentes, que foi considerado o jogador do século pelo Núcleo de Veteranos da AAC, deixou-nos em Fevereiro de 2003.Ai que saudades.
ACADÉMICA,ACADÉMICA,ACADÉMICA,VAMOS AO GOLO MALTA!