quinta-feira, 23 de novembro de 2006

MP pede anulação do acordo de utilização do estádio*

O Ministério Público propôs ao Tribunal Administrativo que ordene a anulação do acordo de utilização do Estádio Cidade de Coimbra (ECC), celebrado entre a Câmara Municipal e a Académica/OAF, apurou o “Campeão”.
A iniciativa surgiu na sequência de uma acção a cargo da Inspecção-Geral de Finanças, cujos contornos já foram revelados pelo nosso Jornal a 22 de Dezembro de 2005. A IGF inclinou-se para a hipótese de o acordo de utilização configurar uma “prática ilegal”, tese corroborada pelo Ministério Público.
O presidente da Câmara, Carlos Encarnação, e um representante da TBZ declinaram ontem pronunciar-se sobre o assunto nesta fase. O “Campeão” também diligenciou para obter uma reacção da Académica/OAF, mas isso foi impossível até ao fecho desta edição.
Segundo apurámos, a Secretaria de Estado do Orçamento alegou falta de definição e de contratualização dos fins a que devem ser aplicadas as receitas provenientes da exploração / cessão de exploração de espaços do complexo municipal sem dedicação exclusiva à prática desportiva.
Ao aludir à verba de 2,5 milhões de euros paga anualmente pela TBZ à Académica/OAF, a mesma Secretaria de Estado entendeu que isso “parece representar uma forma indirecta” de a Câmara “subsidiar contratos” suportados pelo clube com o desporto profissional, o que violaria o espírito do Decreto-Lei 432/91.
Na Primavera de 2004, a Académica/OAF assumiu que o objectivo de entregar a gestão do ECC a uma entidade privada visava “garantir a estabilidade financeira” do clube.
Segundo a proposta apresentada pela Académica/OAF, as poupanças directas para a autarquia, foram estimadas em cerca de 2,1 milhões de euros. O antigo vereador Nuno Freitas chegou a calcular que os custos de manutenção do ECC possam rondar anualmente seis milhões de euros.
Na fase em que a IGF apresentou o projecto de relatório, o presidente da Câmara de Coimbra considerou que a celebração do acordo de utilização do ECC representou uma “consequência inevitável do incomportável impacto economico-financeiro (...) de uma qualquer solução que passasse por ser a autarquia a suportar os custos operacionais de gestão”.
Sem a Câmara possuir “vocação para definir planos agressivos de geração de receitas de infra-estruturas desportivas” e invocando a “situação específica” da Académica/OAF, Carlos Encarnação – que herdou de Manuel Machado a adesão ao Euro/2004 – concluiu que “qualquer solução de gestão do ECC teria de passar, necessariamente, por uma plataforma de entendimento e de cooperação” entre a edilidade e o clube.
Ao fazer notar que a Briosa rejeitou participar numa empresa municipal para gestão do Estádio Cidade de Coimbra, o autarca entendeu poder dizer-se que a Câmara se encontrava num “verdadeiro estado de necessidade quanto à exigência de encontrar uma solução que pudesse compatibilizar o seu interesse essencial” de supressão de custos operacionais “com o interesse público de dinamização da gestão de uma infra-estrutura desportiva”.

Briosa inevitável?

Apesar de invocar o “estado de necessidade”, Carlos Encarnação sublinhou estar a Câmara convicta de que os termos e condições do acordo salvaguardam o interesse público, “dele não decorrendo a atribuição de qualquer vantagem ilícita para a Académica/OAF”.
Para o edil, as “considerações tecidas no projecto de relatório são graves e injustas”, sendo, por isso, merecedoras de “frontal e enérgica contestação da Câmara Municipal de Coimbra”.
“Só a Académica/OAF estava em condições de celebrar com a Câmara um acordo que representasse para esta a desoneração de arcar com os custos de gestão do ECC por se tratar do único organismo que se encontrava em posição de alcançar as receitas previstas”, alegou então o autarca.
Carlos Encarnação assinalou, por outro lado, a falta de cumprimento em relação à CMC do compromisso assumido pelo Estado em matéria de bonificação de juros dos empréstimos concedidos aos clubes que construíram estádios para o Euro/2004.
Há dois anos e meio, o jurista Vital Moreira, antigo membro do Tribunal Constitucional, preconizou a abertura de concurso púbico para seleccionar a entidade habilitada para assumir a gestão do ECC depois de a Câmara ter deliberado proceder a ajuste directo com a Académica/OAF.
A edilidade julgou dispensável a realização de concurso com base num parecer de outro jurista, Pedro Gonçalves, em cuja opinião o clube é um “parceiro natural” para a celebração do acordo.
Vital Moreira expressou receio de que o “complicado esquema” inerente à proposta da Académica/OAF configure “mais uma imaginosa forma enviesada de financiamento de um clube de futebol, à margem das regras que disciplinam os subsídios públicos”.
“Neste negócio é manifesto que a primeira vítima é a transparência e a segunda, provavelmente, as finanças municipais”, alegou o antigo juiz do Tribunal Constitucional ao alertar para o risco de “questões de procedimento e de transparência poderem ser contornadas com «habilidades» contratuais mais ou menos criativas”.

* Notícia tirada do jornal "Campeão das Províncias" assinada por Rui Avelar